Ficha técnica:
VIANCO, André.
Bento. Novo Século: Osasco, 2003.
Resolvi que não vou ficar com essa coisa de "resenha" porque eu sempre acabo escapando do formato de "resenha" de verdade. Então, vou chamar o texto que eu escrevo de Meus Comentários. Pronto.
Meus comentários:
A história acontece trinta anos depois da Noite Maldita. Durante essa noite, várias pessoas adormeceram e não acordaram mais - dorme há trinta anos. Algumas das pessoas que acordaram, começaram a demonstrar intolerância à luz do sol, e depois foram acometidos de loucura e atacavam violentamente seus familiares em busca de sangue - vampiros, óbvio. Os que não dormiram e não viraram vampiros tiveram, então, que começar a se organizar em fortificações que durante o dia eram seguros contra os ataques dos vampiros. De noite, um forte esquema de vigilância prevenia ataques surpresas. É um mundo totalmente caótico e diferente. Ninguém mais morre de doenças, só de hemorragia e falta de oxigênio. Os que continuam adormecidos são disputados pelos humanos, que os resgatam e os mantém hidratados para o dia em que acordarem, e pelos vampiros, que vêem nos adormecidos a possibilidade de alimento eterno. As fortificações que guardam esses adormecidos são as que sofrem mais ataques dos vampiros. Os humanos que não estão nas fortificações e não são vampiros estão, provavelmente, a serviço dos vampiros como escravos ou mulos. Um mulo é um humano "traidor", que prefere a companhia, muitas vezes traiçoeira, dos vampiros do que a vida em comunidade nas fortificações.
Ninguém mais morre, e ninguém mais sonha, com exceção de um velho a quem todos chamam de Bispo. Seus sonhos provaram ser premonições do futuro, e alguns destes sonhos previam que o trigésimo Bento a despertar do meio dos adormecidos seria o que conduziria os humanos a uma vitória definitiva sobre os vampiros. Um Bento, na história de Vianco, é um ser humano que estava adormecido mas que, quando desperto, demonstra poderes quase sobrenaturais. São capazes de sentir o cheiro dos vampiros e reagem a seu ataque de maneira quase inconsciente. Geralmente são responsáveis pelas vitórias dos humanos em algum ataque de vampiros, os quais não bebem o sangue de um Bento pelo fato do gosto e efeito ser como ácido dentro de seus corpos. Quando o trigésimo Bento desperta, a história dos humanos contra os vampiros começa. Esse Bento tem poderes especiais, muito superiores aos dos outros Bentos. Esses poderes só são revelados conforme a história segue.
Várias coisas me chamaram a atenção nesta narrativa: a quantidade e características dos personagens, a trama (maneira como a história é contada), as histórias durante e logo após a Noite Maldita, e a ambiguidade do mundo atual.
A quantidade de personagens é impressionante. Tirando os personagens principais, que são muitos (os vários Bentos das várias fortificações, os soldados humanos, os vampiros Raquel, Gerson, Anaquias e Cantarzo e o mulo Lúcio), o autor inclui aqui e ali algumas histórias de humanos e/ou vampiros que participam de alguma forma da cena do capítulo. Dessa forma, os personagens deixam de ser "desconhecidos" para terem uma história própria, e a gente tem a opção de tomar partido ou não desses personagens. Exemplo: os vigias nas torres das fortificações. Você sabe que eles não querem morrer porque tem alguém esperando por eles dentro da fortificação. Sabe como eles conheceram seus amores, como despertaram, como conseguiram se reencontrar depois dos acontecimentos da Noite Maldita, etc. Você sente a perda de personagens totalmente secundários ou sem importância para o encaminhamento da história principal.
A trama é capaz de te prender a ponto de você não conseguir largar o livro até a dor de cabeça te vencer. A história principal é interrompida por pequenas histórias paralelas acontecendo nas fortificações, nas estradas por onde viajam os Bentos e os soldados, nos covis dos vampiros. Aqui, cabe até comentar que algumas descrições são bastante longas e um leitor impaciente ou com pressa provavelmente vai se irritar com essas partes da história.
O que eu mais gosto é de ler sobre as histórias imediatamente após a Noite Maldita. Gosto de saber como as pessoas reagiram àquela nova situação, o que aconteceu com o mundo como o conhecemos, como elas foram parar naquele ponto em que se tornaram importante (ou não) para os encaminhamentos da história principal.
Sobre as ambiguidades, a gente pode falar primeiro sobre o sol e o que ele representa na história. O sol também é um personagem, muitas vezes antagonista. Se os humanos contam com a proteção do sol durante o dia, durante o pôr do sol o caminho ininterrupto do astro vira uma ameaça. O pôr do sol traz o medo dos ataques dos vampiros, os quais não são mais castigados pela sua presença. O sol que protege é o sol que abandona os humanos à própria sorte e que desaparece no final do dia.
O mundo caótico que se configura depois da Noite Maldita também é ambíguo. Se por um lado a Noite Maldita trouxe o terror dos vampiros, expôs os humanos a ameaças diárias, separou famílias e condenou a raça humana a viver escondida dentro das fortificações; por outro lado, depois da Noite Maldita, ninguém mais vive com medo do próximo. Quem está dentro das fortificações é, decididamente, uma pessoa do "bem". Quem está fora, está do "outro" lado.
Ambos, humanos e vampiros, lutam pela sobrevivência. Obviamente que o leitor tende a se identificar com a luta dos humanos (#Bento_Lucas_Marry_Me uhuuuul). Mas não se pode deixar de lado o fato de que os vampiros não "pediram" pra nascer, ahahahaha. O que fazer se a única maneira de você sobreviver é atacar humanos em busca de sangue?
Em meio a todos esses elementos, o trigésimo Bento desperto precisa sair em busca dos outros 29 Bentos e reuni-los, para desencadear os quatro milagres previstos pelo velho Bispo. Mas o velho foi assassinado e seu sangue foi colhido pelo mulo Lúcio e levado até o vampiro Cantarzo. Funciona assim: o vampiro bebe o sangue do humano e, com isso, assume suas habilidades e seus conhecimentos. Quando Cantarzo bebe o sangue de Bispo, ele entra em transe e coisas estranhas começam a acontecer: o vampiro Anaquias começa a ter visões sobre o Vampiro Rei, liderando os vampiros contra os humanos.
E o que falar da profecia sobre os Bentos? Um grupo de soldados humanos desiste de esperar pela profecia e tem um plano traçado que pode ser o fim dos vampiros. Quando um grupo de soldados e Bentos parte em busca da realização desse plano sem saber que o trigésimo Bento despertou, eles podem colocar tudo a perder. Como culpar esse grupo, em vista do desespero e ansiedade de acabar com a ameça dos vampiros?
É muita informação, eu sei. Tanto é que nem vou reler antes de postar. Mas é um livro de vampiros que matam e trucidam pelo sangue, não brilhamem contato com o sol (por favor, né) e não vivem em harmonia com os humanos. Então, os leitores acostumados e HoN (House of Night) e Crepúsculo podem estranhar e não gostar. Mas não esqueçam: embora eu goste dos vampiros da P. C. Cast, são os vampiros do André Vianco os "vampiros clássicos".